O escândalo envolvendo a situação fiscal da Americanas S.A (AMER3) é o assunto que mais vem causando movimentações tensas no mercado financeiro brasileiro – e também global – nos últimos dias.
Desde a última quarta-feira, dia que marcou o início do processo que revelou as inconsistências contábeis da empresa, as ações da companhia já atingiram 80% de mínima, fazendo com que investidores de diversos patamares se prejudicassem.
Nesta reportagem, o Money Crunch posicionou os fatos do “Caso Americanas” ao longo de uma linha cronológica, com as principais revelações até o momento:
Quarta-feira: CEO e CFO pedem demissão após revelação de rombo de R$20 bi
No dia 11 de janeiro de 2023, uma análise preliminar interna da empresa detectou um rombo de R$ 20 bilhões em suas contas. A dívida estava relacionada com “inconsistências contábeis” vinculadas à contas de fornecedores.
Entre as inconsistências mencionadas acima, a área contábil da Companhia identificou a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem acima, nas quais a Companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras de 30/09/2022.
afirma um trecho do comunicado enviado aos acionistas da empresa
O texto apontou que não foi possível “determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da Companhia.”
Com esta revelação, Sergio Rial, CEO da Americanas, e André Covre, CFO, renunciaram às suas posições na empresa.
A ocupação dos dois cargos ficou na responsabilidade de João Guerra, que foi nomeado interinamente.
Quinta-feira: ações despencam 77%
No dia seguinte (12/01), o mercado reagiu ao escândalo trazido pelo comunicado: as ações desabaram 77,17%. A baixa acumulada foi de 71,81%.
Portanto, em apenas um pregão, a companhia viu seu valor de mercado evaporar de R$ 10,83 bilhões para R$ 2,45 bilhões, uma queda de R$ 8,38 bilhões.
Após às 14h, as ações atravessaram sucessivos leilões. No mesmo dia, Sergio Rial, ex-CEO, convocou uma teleconferência para explicar a situação. Por conta disso, o início da negociação dos ativos foi constantemente postergado desde às 11h.
Na conferência em questão, Rial trouxe indicações sobre os próximos passos da companhia em conferência com investidores. Ele destacou que a empresa vai precisar se capitalizar para enfrentar problema contábil.
Espera-se que a operação seja um “follow-on”, mas Rial afirmou que não é possível estimar a necessidade de capital.
“Ninguém definiu o valor, até porque o número não foi auditado. Mas sabemos que não será uma capitalização de [apenas] milhões”, disse o ex-CEO.
Além disso, ele também destacou o compromisso dos acionistas de referência (3G) com o negócio.
Segundo ele, quando assumiu o cargo, notou que havia problemas no reporte de itens na conta “Fornecedor” no balanço da companhia. Muitos pagamentos a fornecedores que eram financiados por bancos não eram considerados como dívida.
“É um tema que permanece desde a década de 1990, um problema de estruturação de risco sacado que não era reportado como dívida bancária”, ressaltou.
Rial explicou que os R$ 20 bilhões apontados pela empresa como “inconsistência contábil” não estão fora do balanço da companhia, mas não garante que a cifra é definitiva.
“Os R$ 20 bilhões são a nossa melhor estimativa dentro do que tivemos de informação nesses nove dias”.
Ao final, reconheceu que a notícia jogou a empresa no ‘corner’, mas aponta que o desempenho operacional no decorrer do ano será importante para superar a situação. “Quanto mais vendermos, menor será o problema”.
Ao ser questionado sobre a quantidade de ‘convenants’ – obrigações que a companhia assume ao emitir uma dívida por juros menores – na estrutura de dívida da Americanas, disse que o número é baixo e mais concentrado na operação da rede de mercados Hortifruti.
Corretoras revisando a recomendação das ações da Americanas
Após as falas do ex-CEO da empresa ao mercado, a XP divulgou sua análise sobre o contexto, dizendo que a alavancagem da companhia deve subir.
Os analistas da XP afirmaram que, mesmo depois da reunião com a companhia e os esclarecimentos dados para os pontos trazidos no fato relevante, ainda não possuem visibilidade suficiente para detalhar o impacto financeiro que as revisões devem ter nos números da empresa.
Com isso, mantêm a recomendação “sob revisão”.
“No resultado do 3T22 alteramos nossa recomendação de compra para neutra devido à piora nos números da companhia, queda de GMV (vendas brutas), despesa financeira onerosa, piora no capital de giro e queima de caixa. Diante dos fatos apresentados ontem e hoje, reforçamos a nossa recomendação para ficar de fora do papel”, apontou a XP.
Além da XP, outras corretoras colocaram suas recomendações das ações da Americanas em revisão desde a noite de quarta-feira. Como foi o caso da equipe do Bradesco BBI, que classificou o episódio como “inconsistência contábil considerável e sem precedentes”.
O Citi considerou que “claramente, este ainda é o começo de uma longa e complexa história”. E o Morgan Stanley retirou a recomendação “overweight” para as ações da Americanas.
Volatilidade em ativos do setor de varejo
Paralelamente, o mercado também acompanha o comportamento dos papéis de outras empresas varejistas.
No after market da Bolsa de Nova York na última quarta, as ações do Mercado Livre (MELI34), registravam ganhos de cerca de 7%. Na quinta-feira, os BDRs MELI34 subiram 9,45%, a R$ 43,79, enquanto os ativos negociados nos EUA subiram 9,34%, na casa dos US$ 1.024.
A Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3) registraram uma sessão de forte volatilidade. As ações de ambas as empresas abriram em forte queda, mas durante a tarde tomaram rumos diferentes na Bolsa.
MGLU3 fechou com ganhos de 5,28%, a R$ 3,19, enquanto VIIA3 teve queda de 5,38%, a R$ 2,46. Na mínima do dia, as ações do Magalu chegaram a cair 11,22%, enquanto Via chegou a operar em alta (mas teve uma mínima com queda de 15,77%).
Sexta-feira: aumento da dívida para R$40 bi
Ao final da semana passada, o juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Paulo Assed, concedeu uma medida de tutela de urgência cautelar pedida pela Americanas.
A decisão suspende toda e qualquer possibilidade de um bloqueio, sequestro ou penhora de bens da empresa, assim como adia a obrigação da Americanas de pagar suas dívidas até que um pedido de recuperação judicial seja feito à Justiça.
O juiz deu um prazo de 30 dias para que a Americanas peça, se avaliar que é o caso, recuperação judicial.
No pedido de tutelo, a Americanas afirmou que que a descoberta do rombo contábil de R$ 20 bilhões, anunciado anteontem num fato relevante, pode acarretar “no vencimento antecipado e imediato de dívidas em montante aproximado de R$ 40 bilhões.”
“As inconsistências contábeis exigirão reajustes nos lançamentos da Companhia, o que poderá impactar nos resultados finais divulgados nos respectivos exercícios anteriores, com alteração do grau de endividamento da empresa.”, disse a empresa.
O principal credor da Americanas, o BTG, já “declarou o vencimento antecipado” de dívidas “em montante superior a R$ 1,2 bilhão”.
Em sua decisão, o juiz escreveu que é “justificável o deferimento da medida, com vistas a evitar o exaurimento de todos os ativos da companhia, por credores altamente qualificados, em detrimento dos demais credores, e, principalmente, da própria manutenção da atividade econômica”.
Sábado: BTG Pactual recorre à Justiça
No dia seguinte ao pedido de tutela de urgência cautelar feito pela Americanas, o banco BTG Pactual SA recorreu na Justiça contra a liminar, que pretende proteger a Americanas dos credores.
Os advogados do banco argumentam, por meio de um recurso interposto, que liminar determina ilegalmente o estorno de um pagamento feito pela Americanas ao BTG.
Segundo a Americanas, a medida cautelar visa “somente” a sustentação jurídica necessária para que tanto a empresa como os credores possam “chegar a um possível acordo”. A varejista afirmou que a manutenção da liminar é importante, apesar da tentativa de suspensão, “o que poderia gerar assimetria entre os seus credores, inclusive bancos, e não ajudaria no processo”.
No pedido feito à Justiça, o BTG acusou a Americanas de fraude ao revelar as “inconsistências contábeis” da ordem de R$20 bilhões e, que portanto, a prática não deve ser entendida como “função social legítima” que justifique a proteção da Justiça.
O BTG também sustenta que os credores não devem ser prejudicados diante do patrimônio de R$180 bilhões dos principais acionistas: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto “Beto” Sicupira, que investem na companhia desde 1982.
No total, a Americanas possui dívida estimada em R$ 2,3 bilhões com o BTG.
Domingo: pedido feito pelo BTG é negado
No dia de ontem (15), o desembargador de plantão na 2ª instância do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Roldão de Freitas Gomes Filho, não atendeu ao pedido do BTG Pactual.
“A medida aqui pleiteada pode ser perfeitamente realizada no horário normal de expediente forense, já que, ao menos no âmbito deste plantão judiciário, inexiste situação de demora que possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação ao recorrente”, disse o desembargador ao explicar a sua decisão.
Segundo ele, a “questão deve ser apreciada pelo relator natural, após a livre distribuição deste recurso, que, repita-se, ocorrerá em data breve, provavelmente no dia de amanhã [segunda-feira, dia 16].”
Na noite de domingo, a Americanas divulgou uma nota na noite de domingo em que diz que ainda busca entendimento com os credores, sem citar a possibilidade de um pedido de recuperação judicial, como fez na petição enviada à Justiça que garantiu a tutela cautelar de proteção concedida na sexta.
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