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Recuperação judicial da Americanas será complexa e longa, diz especialista; “bancos têm bala jurídica”

A Americanas entrou com pedido de recuperação judicial no último dia 19, alegando que sua dívida ultrapassa os R$43 bilhões, com um total de 16.300 credores. O escândalo contábil havia sido revelado uma semana antes e fez com que o CEO Sergio Rial pedisse demissão – ele havia assumido o cargo há apenas 9 dias.

Agora, o mercado espera os próximos passos da recuperação judicial e especialistas preveem uma briga pesada entre a companhia e os bancos, que estão na lista de principais credores da empresa.

“No Brasil, estamos acostumados a ver dívidas da ordem dos bilhões com construtoras, prestadores de serviço, colaboradores. Nunca vimos uma dívida desse tamanho com bancos. E o banco é um outro tipo de ‘competidor’, ele tem ferramentas para brigar. Então, a Americanas pode ser enorme, mas os bancos são muito maiores, eles têm bala jurídica para isso”, afirma Max Mustrangi, sócio da consultoria Excellance-Gestão de Turnaround e Reestruturação, especializada em reestruturação de empresas.

Veja abaixo a entrevista exclusiva do especialista ao Money Crunch:

Na situação atual em que a Americanas se encontra, com um rombo de R$43 bilhões, qual a sua perspectiva para o futuro da empresa?

Ninguém sabe se R$ 43 bilhões é o número final ainda. Cada hora aparece um número diferente. Estão focando muito nos bancos nesse momento para conseguir criar uma massa de dívida para fazer com o processo de recuperação judicial seja aceito.

Acho que vão ter ainda muitas dívidas concursais, ou seja, aquelas que ainda podem ser habilitadas no processo jurídico. Independentemente da dívida, é evidente que, quando se faz uma análise fundamentalista dos resultados da Americanas nos últimos 10 anos (pelo menos), a empresa já não ‘parava de pé’, já era uma ONG.

 Ela só dava um lucro fictício usando a contabilidade criativa, que eu chamo de “anabolizante”, para poder justificar a distribuição de dividendo para os acionistas, mais nada. Ou seja, sem isso a empresa não para em pé, ela é deficitária. Na hora em que você vê todos os custos no balanço, não tem sentido existir a empresa. A Americanas por si só não para em pé – e não estou nem falando com a dívida.

Grande parte dessa dívida bilionária é com bancos. No Brasil, estamos acostumados a ver dívidas da ordem dos bilhões com construtoras, prestadores de serviço, colaboradores. Nunca vimos uma dívida desse tamanho com bancos. E o banco é um outro tipo de competidor, ele tem ferramentas para brigar. Então, a Americanas pode ser enorme, mas os bancos são muito maiores, eles têm bala jurídica para isso. Então a Americanas vai ter uma resistência muito forte do outro lado, como talvez nenhuma outra recuperação judicial tenha tido até hoje no Brasil.

Essa característica já transforma a recuperação judicial da Americanas, pelo tamanho e pelo tipo de opositor, em algo extremamente complexo e longo. Fazendo uma analogia, é como se eu atuasse como um cirurgião de UTI. Pego o paciente morrendo e tenho que tirar ele da UTI, pôr no hospital e, depois para a rua. Quando eu consigo levar ele para a rua, para ele ter uma vida normal ou quase normal, considero isso como um sucesso. Mas, quando eu tiro uma perna, um baço, um pulmão, deixo ele no equipamento, ele vira um vegetal, posso dizer que isso é sucesso? Se as pessoas considerarem isso como sucesso, a Americanas vai continuar. Mas se você considera sucesso com voltar a ter vida normal, esquece, vai ser falência.

Você acredita que essa dívida pode vir a aumentar?

Boa parte desse problema foi causado pelo sistema de incentivo, em um cenário onde o acionista quer ganhar dinheiro e garantir o seu interesse. Isso foi proporcionando esse rombo. Agora, a coisa veio a público, não tem mais o que esconder. Talvez tenham algumas coisas ainda para não levar a desconsideração da personalidade jurídica dos acionistas e controladores da empresa, para que isso não atinja o patrimônio deles.

A consultoria Alvarez & Marsal [contratada pela Americanas] vai fazer nos próximos 60 dias a gestão que devia ter sido feitas antes. Mas, se isso fosse feito anteriormente, destruiria o lucro da empresa. Então, ficava-se guardando ineficiência no sistema, mas mantinha-se o volume macro de faturamento.

Agora, para a empresa tentar ter uma chance, vão fazer baixas e cortes na proposta desse plano de recuperação. Com isso, a primeira coisa que virá será uma onda de demissões.

Terão vários outros desdobramentos que ainda não estão sendo contabilizados. Algo que não está sendo muito comentado é a dívida fiscal da Americanas. Sabemos que esse setor tem uma dívida bilionária. A nova lei das recuperações judiciais exige que a empresa esteja regular com sua situação fiscal. Então, com isso, haverá mais um pacote bilionário.

É possível prever um período de tempo para que o processo de recuperação judicial se desenrole?

Não é possível prever, mas posso garantir que será longo. Porque você tem muito peso financeiro dos dois lados da briga, e isso ajuda a financiar a briga jurídica. Por mais que possa custar milhões, você poderá perder bilhões. Com milhões, é possível se alongar o processo por muito tempo.

Quem perde principalmente com isso é o credor menor que não tem caixa para aguentar essa briga tão longa.

Você acredita que os acionistas de referência (Lemann, Telles e Sicupira) irão injetar dinheiro na companhia?

A questão é que ordem de grandeza de dinheiro? Eles já propuseram injetar R$ 6 bilhões, que é mais ou menos proporcional a participação deles em relação ao valor de mercado da empresa na data. Mas eles propuseram isso como dividendo conversível em ação. E isso não vale nada, pois um dividendo que é conversível em uma ação que vale cada vez menos, quem aceita isso só pode ser trouxa. Na minha visão, tinha que ser entre R$ 15 e R$ 20 bilhões em dinheiro em espécie.

A questão é que dinheiro perdido é dinheiro perdido. Não se coloca mais dinheiro para salvar o dinheiro perdido. Se coloca mais dinheiro para ver se gera mais capital ou não.

Há um ano, os acionistas já começaram a se proteger juridicamente, saindo do Conselho. Pois sabiam que esse rombo iria estourar. Já começaram a fazer todas as proteções jurídicas para ficarem descaracterizados de serem controladores e, consequentemente, responsáveis.

Então, sabendo que estão blindando seus patrimônios, vão aportar um dinheiro desse montante reconhecendo a responsabilidade deles para salvar um paciente que é morto? Eu acho que não.  A não ser que a briga fique muito feia juridicamente, os bancos consigam de fato fazer a desconsideração da personalidade jurídica e poder acessar o patrimônio dos 3, aí voltariam a negociação. Mas isso é uma situação muito extrema.

A reestruturação deve impactar também os funcionários, com perda de empregos e cortes em massa? Esses funcionários demitidos correm risco de não terem seus direitos pagos?

Como o contrato de trabalho da maioria dos funcionários é anterior ao pedido de recuperação judicial, as pessoas que vierem a ser desligadas têm o direito de terem seus créditos habilitados na recuperação judicial.

Então, só de crédito trabalhista, o processo pode ser aumentado em dezenas de milhões de reais. A grande preocupação do juiz é fazer com que o credor trabalhista classe 1 (o funcionário), seja pago, por isso ele ganha toda a prioridade. Então, o banco, que é classe 2, perde prioridade. Para piorar a situação do banco, ele não apenas perdeu poder de barganha, mas vai cair na ordem de prioridade.  

Como ninguém percebeu isso antes?

Quem faz algo assim são pessoas com experiência e que contam com conivência de outros funcionários. Um gestor malandro consegue totalmente esconder [um rombo] das auditorias. Elas, por sua vez, ainda possuem o interesse de não perder o contrato. Isso não vai acabar, é uma questão que envolve o jeito do ser humano.

Entre em contato com a redação Money Crunch: [email protected]

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