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“Cinema é o melhor cartão de visitas de um país”, diz produtora Zita Carvalhosa

No início deste mês, finalizou-se a 45ª edição do Festival de Cinema de Clermont-Ferrand, o maior festival de curtas-metragens do mundo, e uma das maiores vitrines internacionais para conteúdo audiovisual do mercado.

Zita Carvalhosa, produtora de cinema e televisão experiente, encabeçou o projeto de representar o Brasil na França, promovendo os filmes em competição e levando novos diretores para o festival e mercado.

Zita é fundadora do Kinoforum, um dos festivais de cinema mais importantes da América Latina, e conversou comigo, Guto Gomes, sobre o processo de ser júri, participar do festival, e como essa experiência pode ser enriquecedora para os realizadores brasileiros .

Zita, me conta um pouco da história de como você passou a frequentar o festival de cinema de Clermont Ferrand. Eu já sei que essa história não começa hoje.

Eu comecei a me interessar pela difusão do curta-metragem quando trabalhava no Museu da Imagem e do Som.

Quando pensamos em criar o festival Kinoforum, convidamos a diretoria do Festival de Clermont Ferrand para conhecer o festival. Eles vieram a São Paulo, participaram do evento, e me convidaram para compor o júri de Clermont Ferrand. Então, a primeira vez que fui a Clermont foi como membro do júri, e desde então eu compareço todos os anos.

Essa é a meca do curta-metragem, tudo que acontece nesse contexto passa por aqui. No meu primeiro ano, estava em competição oficial o filme brasileiro “Ilha das Flores” (de Jorge Furtado). Eu ainda era muito jovem e não consegui ajudar ele a ganhar o prêmio do júri, mas ganhou o prêmio do público, que fui buscar no palco muito feliz porque era o melhor curta do ano.

E conseguiu ver algum filme? Qual chamou sua atenção até agora?

Na verdade não consegui ver tantos filmes quanto eu gostaria. A gente vem para Clermont e acabamos tendo muitas conversas e relacionamentos no festival, o que tira um pouco o foco de assistir filmes. Até agora, eu acabei vendo apenas quatro sessões, o que é muito pouco em termos do que está sendo oferecido.

Mas se posso destacar um filme da competição internacional que gostei muito até agora foi “It Takes a Village”, da diretora armênia Ophelia Harutyunyan.

Nós vemos aqui que a população se une para assistir aos filmes, desde crianças e jovens até idosos. Você acha que no Brasil existe também esse movimento massivo para ver filmes em festivais de curta?

Clermont-Ferrand tem um coletivo de cinema, o Sauve Qui Peut Court Métrage, que deu início ao festival nos anos 80. Ao longo dos anos, eles criaram uma questão identitária da cidade com o evento de cinema.

Clermont é uma cidade industrial, de porte médio, com muitas universidades, e eles realmente conseguiram fazer uma sincronia da cidade com o festival.

Acho que ele é, de fato, o evento mais importante que acontece o ano todo em Clermont Ferrand, e é verdade que os alunos de todas as escolas vem ao festival, existe esse incentivo, você tem várias de gerações na sala de cinema.

A estimativa é que quase 200 mil pessoas venham às salas prestigiar o festival dentro da janela de uma semana. É um evento muito grande, que mobiliza a cidade inteira.

Além disso, a associação funciona o ano todo. Eles fazem cursos de formação audiovisual na França inteira. Ou seja, o festival se identifica muito com a cidade e vice-versa: você passa pelos comércios e os funcionários viram seu filme, ou perguntam de onde você é e qual filme está apresentando, é muito interessante.

Acho que se pensarmos em Brasil, temos o festival de Gramado, que funciona com uma mecânica parecida, mesmo que em uma escala diferente: uma cidade pequena onde o festival é um centro de atenção.

No caso da cidade de  São Paulo, nós conseguimos ocupar a cidade com eventos culturais desse tipo, mas de outra maneira. Podemos colocar o curta-metragem em pauta como um espaço de descoberta, mas não dá para dizer que a capital inteira vai se mobilizar como um todo por um só evento, pois é uma cidade muito grande.

Eu acredito que um festival junta pessoas. Nós passamos dois anos em pandemia, fizemos dois festivais praticamente online, um terceiro que voltou a encher as salas, então agora estamos nesse desafio, de fazer com que as pessoas voltem ao cinema.

Eu aposto nesse futuro. Acho muito diferente você ver um filme na sua casa, sozinho, no seu computador, e você conseguir fazer essa troca que o cinema permite, em uma sala escura, com todo mundo vendo  a mesma coisa, e saindo conversando sobre o assunto.

Falando em São Paulo, você é fundadora de um dos festivais mais importantes e interessantes de curtas da America Latina, o Kinoforum. Desde o início até agora o Festival Kinoforum mudou muito? Ou melhor, os filmes mudaram muito?

Olha, eu acho que o curta-metragem tem o poder de retratar muito bem as principais inquietações de cada momento, e o mundo mudou bastante nesses últimos 30 anos. Isso, naturalmente, está refletido nos filmes.

O curta tem uma grande facilidade de realização em termos de tempo, não necessariamente de produção, é claro. No início do festival, os filmes eram feitos em película, através de processos muito mais pesados. Hoje, com o evento do digital, nós tivemos uma transformação muito grande. Um bom curta pode ser feito de um jeito simples ou de um jeito complicado, mas é sobretudo como você transmite aquela história.

Já o festival em si, em termos de estrutura, mudou muito pouco. Nós sempre quisemos fazer um paralelo entre a produção internacional e a brasileira.

Determinamos a cada ano programas especiais, com temas e pontos que achamos interessantes de serem jogados na roda.

Quando o Kinoforum começou, ele tinha suas exibições limitadas ao Museu da Imagem e do Som. Mais tarde, com a evolução do festival, ampliamos o circuito de exibição dos filmes. Incorporamos o centro cultural São Paulo e o Cinesesc, o Espaço Itaú, a Cinemateca Brasileira, o CINUSP, e por ali vai.

O festival sempre foi gratuito e convidou os realizadores para virem apresentar seus filmes. Essa é uma fórmula que funciona, então não vemos necessidade de mudá-la por enquanto.

Como você acredita que a presença do Brasil em peso em Clermont é importante para a realização tanto em São Paulo quanto no país em geral?

Eu acredito que o cinema e o audiovisual como um todo é o melhor cartão de visitas de um país.

A França tem uma ligação histórica muito forte com o Brasil. Então, ao fazermos um estande em Clermont Ferrand, nós chamamos a atenção novamente para a cultura brasileira, que fascina tanto os franceses, os europeus, as pessoas de Taiwan, etc.

Estarmos presentes em um mercado internacional, com cineastas que fazem a representação de nosso país, faz diferença. Cada pessoa que trouxemos aqui está abrindo portas para nossa cultura no exterior. Eu acho que estamos começando uma nova fase no cinema brasileiro, em que o relacionamento entre talentos nacionais com distribuidoras, produtoras e festivais internacionais segue acontecendo mais forte que nunca.

Entre em contato com a redação Money Crunch: [email protected]

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