No começo de junho, a SEC (Securities and Exchange Commission), que atua como a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, entrou com um processo contra a Coinbase e a Binance.US alegando que as exchanges haviam violado suas regulamentações ao longo de vários anos.
De acordo com o órgão regulador, as gigantes do mundo cripto permitiram que os usuários negociassem tokens que são, segundo a SEC, títulos mobiliários não registrados.
Na prática, a SEC decidiu classificar cerca de 50 tokens como valores mobiliários, o que demanda a estes ativos a aplicação da mesma regulação do mercado financeiro tradicional a esses ativos.
O processo contra a Coinbase foi registrado um dia depois de a SEC entrar com uma queixa semelhante contra a Binance.US (divisão norte americana da Binance), e seu fundador, Changpeng “CZ” Zhao.
Nos últimos dias, a Binance.US e o regulador concordaram em colaborar para chegar a um acordo que evite o congelamento total dos ativos da exchange.
De acordo com informações da Bloomberg divulgadas nesta quarta-feira (14), uma juíza de Nova York orientou as duas entidades a trabalharem em conjunto para encontrar um acordo de compromisso, com objetivo de proteger o capital dos clientes sem interromper completamente as operações da exchange.
Quebra da FTX e conflitos de interesse
Giovanni Rosa, analista de criptomoedas da Convex Research, destaca que esse “ataque” ao ecossistema de criptos aconteceu pouco depois dos problemas que levaram a FTX à falência nos EUA. “Parece uma atitude desesperada, como se a SEC quisesse mostrar serviço agora para o restante do mundo”, diz.
O analista afirma que a FTX tinha reuniões constantes com a SEC e seus diretores costumavam palestrar em congressos. “E mesmo assim não houve nenhuma supervisão. Agora, eles querem atacar essas empresas de cripto dos EUA”, critica o especialista.
Ainda segundo ele, antes do seu IPO, a Coinbase mencionou 57 vezes que fazia staking (operação que gera rendimento com criptos) e mesmo assim a SEC liberou a abertura de capital da companhia. “Se o regulador já havia feito a duo dilligence, é no mínimo estranha essa atitude agora”, diz.
Na opinião de Ricardo Pegnoratto, analista especialista em criptoativos da Top Gain, a regulação poderia ser conduzida de uma forma mais leve, prática e com uma discussão mais ampla com os setores envolvidos.
“Infelizmente essa atitude de desespero da SEC está, num primeiro momento, gerando problemas para os investidores que mantinham saldos nessas exchanges, mas não impede de forma alguma a negociação dos criptoativos que foram rotulados. Isso porque graças a tecnologia blockchain, temos as exchanges descentralizadas, as DEXs, onde é totalmente possível, adquirir, transacionar e fazer qualquer tipo de movimentação desses criptoativos”, diz.
Pegnoratto destaca ainda que advogados da Binance trouxeram recentemente uma acusação contra Gary Gensler, o presidente da SEC. Em 2019, quando ainda não estava no cargo, ele teria procurado a Binance e se oferecido como consultor da empresa. “Caso seja comprovado esse fato, pode-se haver uma reviravolta no caso diante de um conflito de interesses”, afirma.
Regras defasadas
Para Giovanni Rosa, a SEC possui regras defasadas sobre o mercado de criptoativos e se sentiu pressionada nos últimos meses.
“A SEC escreveu as regras sobre o que são valores mobiliários em 1946. Desde então, esta definição não foi alterada. O mundo hoje é completamente diferente daquela época, e os EUA continuam engessados nessas regras”, afirmou.
Luísa Pires, head de criptoativos da Levante, concorda que houve um crescimento muito grande do mercado de criptoativos e a falta de regulamentação afeta principalmente a ponta mais frágil: os investidores de varejo
“Acredito que o melhor caminho para que essa “guerra” acabe é colocar pessoas que de fato entendam sobre criptoativos para intermediar todo esse processo frente às entidades do mercado de cripto e os órgãos de regulamentação”, afirma a executiva.
O que pode acontecer
A pergunta que muitos se fazem é se essa guerra entre o regulador e as empresas de cripto nos EUA pode afetar a negociação e a popularidade das criptomoedas, tanto por lá quanto nos outros países, como o Brasil.
Para Pegnoratto, assim como outros movimentos de alto impacto que aconteceram anteriormente, pode haver certa turbulência em um primeiro momento. No entanto, ele afirma que rapidamente o mercado deve se mostrar mais forte e pronto para avançar para o próximo nível. “O mercado cripto é como massa de pão, quanto mais bate, mais ele cresce”, diz.
Giovanni Rosa, da Convex, tem opinião parecida e afirma que o fato das criptomoedas serem “geograficamente imparáveis” torna qualquer tentativa de barrar sua negociação um novo impulso de crescimento. “Quanto mais tentam impor sanções e banimentos, o mercado cripto tende a ficar mais forte. E vão surgindo países mais ‘cripto friendly’”, destaca.
Caio Lins Azuirson, membro do Serur Advogados, acredita que a exigência de processo de registro poderá desincentivar corretoras e startups a oferecerem seus tokens no mercado de valores mobiliários. “Esse processo poderá ser complexo e oneroso, e representará uma limitação ao mercado secundário a partir da nova classificação de alguns desses ativos como valores mobiliários”, acredita.
No médio e longo prazo, contudo, ele avalia que as criptomoedas se adequarão aos determinantes regulatórios dos Estados e prosseguirão ganhando força mundial. “A maior exploração e desenvolvimento de novas tecnologias, como o blockchain, facilitarão esse processo de conformidade e redução de desconfiança”, destaca.