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Runology: jovens criam expressão “viral” e chineses mais ricos deixam país com pressão do governo

Diego Lazzaris
Maria Antônia Anacleto

Em março do ano passado, a população chinesa enfrentava um forte lockdown imposto pelo governo do país. Enquanto a grande maioria dos países já tinha flexibilizado as restrições impostas pela Covid – já que o número de casos e mortes havia diminuído consideravelmente com o avanço da vacina –  a China foi na direção contrária e impôs uma política chamada de ‘Covid Zero’, tentando evitar ao máximo qualquer deslocamento ou interação da população para evitar o contágio, principalmente nas grandes cidades.

Durante este lockdown, o termo “Runology” (ou algo como ‘estudo da fuga’, em tradução livre) se tornou viral em redes sociais utilizadas pelos chineses. O termo em mandarim tem outro significado, mas o viral foi justamente utilizar caracteres chineses para designar algo que estava implícito em uma parte da população: a vontade de deixar de viver na China.

Muito disseminada pelos mais jovens, a expressão denotava não apenas a insatisfação com o bloqueio mais recente por conta da Covid, mas também pelos problemas e dificuldades enfrentadas nos últimos anos: um controle cada vez maior do Estado, deixando os chineses com menos liberdade, em meio a um cenário econômico de desaceleração e menos oportunidades de trabalho.

“O presidente da China, Xi Jinping, deixou bem claro que o Estado está voltando [a impor um controle rígido sobre a população]. Ele está controlando o país com mãos de ferro, algo que nunca se viu desde a era de Mao Tse Tung”, afirma Roberto Dumas, professor do Insper e estrategista-chefe do Voiter, em entrevista ao Money Crunch.

Dumas, que morou na China durante quatro anos – entre 2007 e 2011 – afirma que não são apenas os jovens que estão insatisfeitos com o aumento de controle e restrições impostas pelo governo. A população com maior poder aquisitivo também vem percebendo todas as desvantagens de viver sob um regime tão rígido e intervencionista.

“Xi Jinping quer construir uma nova China, tendendo ao socialismo. Quanto mais milionários aparecerem [e questionarem seu modelo atual de governo], mais prejudicado estaria seu sonho de construir uma ‘nova juventude’ chinesa. Este é o receio dele”, afirma o professor.

Em reportagem recente, o Money Crunch mostrou as dificuldades que os chineses possuem de investir no exterior e até mesmo de adquirir dólar ou moedas estrangeiras no país – clique aqui para ler.

Em meio a um controle cada vez maior da população e uma desaceleração da economia, aqueles que têm condições financeiras estão optando por deixar a China. “Essa é uma das causas pelas quais os milionários estão indo embora do país. A maior parte está indo para Cingapura. Com tantos milionários, o custo de vida em Cingapura já é maior do que Nova York ou Londres”, afirma o professor.

A falta de previsibilidade e os receios dos próximos passos do governo contribuem para afastar os empresários que já atingiram uma boa estabilidade financeira. “A corda está apertando, porque está havendo um cerceamento da liberdade individual. Não se sabe o que vai acontecer no outro dia. Amanhã pode chegar um carro do partido comunista chinês cobrando algum tipo de declaração. Para que você iria querer esse peso se já é milionário? Existe um país a menos de 600 km de distância, que fala a sua língua e é completamente desenvolvido”, questiona Dumas.

Novos lockdowns

Apesar do lockdown ter acabado na China, não há nenhuma garantia de que o governo não irá reestabelecer novas restrições em caso de um aumento dos casos de Covid no país.  

“O chinês provavelmente ainda não está convencido de que não possa ter um novo lockdown. Grande parte dos idosos não tomaram a terceira dose da vacina, e a vacina chinesa não protege para a sub variante da ômicron. Por questões geopolíticas, a China não importa vacina de ninguém, só usa vacina chinesa”, explica o professor.

Dumas cita um estudo da Universidade de Fudan, que dizia que a China poderia ter 1,4 milhão de mortes pela Covid até o final no ano – muito mais do que o número de mortes oficial divulgado pelo governo até agora.

“[Olhando esses números], o que o chinês pensa? É bem provável que o governo volte com os lockdowns, então melhor eu sair daqui. Resumindo, há possibilidade de aumento de mortes por Covid e, consequentemente, um novo lockdown forçado. Soma-se a isso a maneira como o Xi Jinping está tratando as empresas e os empresários com ‘mão de ferro’”, afirma o professor.

Tensão em Taiwan

Um outro problema que aflige os chineses vem de Taiwan, ilha que possui governo próprio, mas que é vista pela China como uma “província rebelde”. “Xi Jinping já arregaçou os dentes e mostrou que essa separação de Taiwan da China continental não vai continuar por muito tempo”, diz Dumas.

Ele cita a intensa atividade militar em torno da ilha e lembra que a possibilidade de guerra também assusta os chineses. “Ninguém quer ficar morando em um país que pode entrar em guerra. Se houver um conflito, a China irá sofrer sansões”, pontua.

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