O ano de 2022 foi, sob vários aspectos, o pior da história para as criptomoedas. Não pelas desvalorizações nos preços, mas pelo impacto dos acontecimentos. Poucas vezes uma quantidade tão grande de empresas relevantes no setor quebrou em um espaço tão curto de tempo.
Nesse sentido, empresas como Terraform Labs, Three Arrows Capital (3AC), Voyager Digital, FTX, Celsius Network e BlockFi foram algumas das vítimas do bear market. Dentre elas, as duas últimas merecem atenção por causa do seu modelo de negócios: elas eram plataformas de empréstimos de criptomoedas.
Essas plataformas se vendiam como uma espécie de “conta poupança” em criptomoedas, oferecendo rendimentos de forma aparentemente segura. Mas elas se mostraram um grande risco para o mercado e acabaram por lesar centenas ou até milhares de investidores.
Muitas pessoas, por analogia, comparavam os serviços dessas empresas com os serviços de bancos, mas isso é um erro. Portanto, vamos conferir o que são essas plataformas, quais as diferenças delas para os bancos e, acima de tudo, quais os riscos de deixar suas criptomoedas guardadas nesses locais.
Empréstimos de criptomoedas
Também conhecido pelo termo em inglês crypto lending, o empréstimo de criptomoedas de fato é semelhante a serviços de investimento tradicionais. As plataformas de empréstimo captam criptomoedas de investidores e, em troca, oferecem o pagamento de juros pagos naquela criptomoeda.
Nesse sentido, elas funcionam como uma conta poupança ou um outro investimento tradicional de renda fixa. Os rendimentos oferecidos pelas plataformas podem ser fixos ou variar, e geralmente são oferecidos a uma taxa anual (APY, na sigla em inglês).
Algumas dessas plataformas são mais conservadoras, como o caso da canadense Ledn, e oferecem juros próximos do mercado (5% ao ano no exemplo da Ledn). Já outras são mais agressivas e oferecem taxas maiores, como o caso dos quase 20% ao ano que a Celsius pagava aos seus clientes.
Para conseguir esse rendimento, essas empresas normalmente emprestam os fundos para outros clientes, que executam operações mais arriscadas no mercado. Com o risco maior, esses clientes pagam taxas maiores para as plataformas, que remuneram os poupadores e embolsam a diferença.
No entanto, outras plataformas aplicam esses fundos em protocolos de finanças descentralizadas (DeFi) que oferecem rendimentos ainda maiores. Mas os riscos desses produtos são substancialmente elevados, o que também aumenta o risco de perda total do investimento. E foi exatamente isso que levou essas empresas à bancarrota.
Efeito cascata
Para oferecer rendimentos elevados, essas plataformas deixavam parte dessas criptomoedas em investimentos muito arriscados. Muitas delas, por exemplo, deixavam seus recursos parados na rede Terra (atual Terra Classic), devido ao alto rendimento que a rede pagava para os detentores da stablecoin UST.
Durante o tempo que a UST se manteve estável e pagando os rendimentos, os investidores conseguiram receber. Além disso, o mercado de criptomoedas vinha em alta desde o final de 2021 e isso serviu como forma de manter esse modelo sustentável.
Mas com a virada do mercado e a queda dos preços em 2022, essa situação mudou completamente. A UST, por exemplo, perdeu a sua paridade com o dólar e fez todo o ecossistema da Terra Classic entrar em colapso. Uma rede que outrora valia mais de US$ 40 bilhões simplesmente virou pó quase da noite para o dia.
Com isso, empresas que tinham exposição ao token da Terra, o LUNA (atual LUNC), viram seu patrimônio desabar em poucos dias. Foi o caso do fundo 3AC, que faliu imediatamente após o colapso da Terra. E as plataformas de empréstimo também sofreram grandes perdas nesse caminho.
Diferenças entre plataformas de criptomoedas e bancos
O colapso desse sistema evidenciou que há enormes diferenças entre empréstimos de criptomoedas e bancos. E as maiores diferenças estão justamente no que diz respeito à proteção de cada negócio.
Em primeiro lugar, os depósitos bancários costumam ter a proteção de algum tipo de seguro. Tal seguro pode ser estatal (no caso do FDIC americano) ou privado (no caso do FGC brasileiro), mas o conceito é o mesmo: tal seguro protege o cliente contra falências.
No Brasil, o FGC garante a cobertura de até R$ 250 mil por CPF e instituição, limitado a um total de R$ 1 milhão. Não se trata de uma garantia total ou ilimitada, mas ela fornece alguma proteção em caso de crise de um banco.
Já as plataformas de empréstimos de criptomoedas não oferecem tal garantia em caso de falência ou problemas financeiros. É justamente por isso que os clientes dessas empresas não conseguem retirar seus fundos, cujos saques as plataformas normalmente bloqueiam em momentos de crise.
Além disso, as plataformas de criptomoedas também podem sofrer com ataques hackers que são mais difíceis de atingir bancos. Isso aconteceu com a FTX, que perdeu centenas de milhões de dólares em um ataque hacker no ano passado, logo após declarar recuperação judicial.
Nos bancos, os ataques hackers normalmente se concentram no roubo de dados dos clientes, mas dificilmente conseguem roubar o dinheiro deles. Portanto, há uma maior proteção nesse sentido.
Outra diferença é que o sistema bancário tradicional é absolutamente necessário se você utiliza moedas fiduciárias, como o real. Afinal, essas moedas perdem poder de compra com a inflação, de modo que se você não deixa o dinheiro no banco, ele vai perdendo valor aos poucos.
No caso das criptomoedas, especialmente do Bitcoin – que ganha valor ao longo do tempo – isso não é necessário. De fato, o Bitcoin existe justamente para que você possa guardar seu dinheiro sem depender de bancos ou corretoras.
Ao deixar suas criptomoedas nessas plataformas, você acaba abrindo mão daquela que é a maior vantagem desses ativos: a impossibilidade de alguém poder roubá-los se você os guarda em uma carteira na qual você controla as chaves.
Portanto, evite ao máximo deixar suas criptomoedas neste tipo de plataforma, independentemente dos juros que elas ofereçam. Qualquer taxa de juros é baixa demais comparada ao risco de perder para sempre um dos investimentos mais promissores dos últimos anos.