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“É imperioso que novo arcabouço fiscal seja adotado por qualquer governo”, diz Roberto Dumas

Com o controle da pandemia mundo afora, as economias globais tentam acertar o compasso e diminuir os efeitos da forte injeção de liquidez que aconteceu entre meados de 2020 e o ano seguinte.  Aqui no Brasil, a inflação começa a dar trégua – o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial de preços do país, registrou em setembro a terceira deflação seguida e acumula alta de 7,17% em 12 meses.

No entanto, o país vive um grande desafio fiscal, como explica Roberto Dumas, professor do Insper e estrategista-chefe do Voiter. “Sem dúvida é imperioso que um novo arcabouço fiscal seja adotado por qualquer governo de forma a mostrar alguma retidão fiscal nos próximos anos”, disse Dumas, em entrevista exclusiva ao Money Crunch.

Para ele, em caso de reforma do teto de gastos, seria necessário desenhar outro modelo ou adotar novas métricas de controle como superávits primários ou banda de flutuação da relação dívida/PIB. “O que não se pode fazer é adotar um teto de gastos e excluir despesas com educação, saúde e investimentos. Isso seria novamente profanar o teto de gastos, o que levaria a curva de juros inclinar dado um maior risco fiscal observado”, afirmou o economista.

Veja abaixo a entrevista na íntegra:

– O FMI lançou no último final de semana um alerta sobre o mais novo risco para a economia global: os fundos abertos, que atingiram US$41 trilhões de ativos administrados em escala global. Esse cenário foi visto em março de 2020, no início da pandemia de Covid-19, por mais que a pandemia não esteja mais tão agressiva e a economia está de certa forma em recuperação, estamos diante da possibilidade de uma nova crise no mercado?

Não acho que estejamos em um cenário de crise ou ruptura nos mercado financeiro internacional, não obstante as políticas monetárias contracionistas observadas e ainda não terminadas nos EUA, na zona do Euro e na União Europeia como um todo, certamente terão suas contas no crescimento da economia global em 2023.

– Guerra na Ucrânia, desaceleração na China, inflação nos EUA. Como este contexto internacional afeta o Brasil e o que pode ser feito por aqui para amenizar os efeitos negativos desse cenário global?

O Brasil não é um país isolado. Mesmo que possamos dizer que a nossa economia é fechada e que as exportações respondam por menos de 5% do nosso crescimento econômico, é preciso tomar cuidado com essa afirmação pois ela não considera toda a cadeia de produção da nossa exportação, mas apenas os bens finais, e uma desaceleração nos nossos principais parceiros comerciais, aliado a uma queda no preço de commodities energéticas e metálicas, certamente influenciarão negativamente o desempenho da economia brasileira em 2023

– Com a terceira deflação seguida registrada em setembro, o Sr. acha que agora a taxa deve permanecer em 13,75% por mais tempo ou pode começar a cair em breve?

Em princípio, sim. Mas há de se destacar que estamos próximos da taxa natural de desemprego (entre 7.5% e 8.2%) ou aquela que se ultrapassada começará a impulsionar o nível inflacionário novamente. Isso posto, se algum candidato quiser abrir as portas da Caixa Econômica Federal (CEF), do Banco do Brasil (BB) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e inundar o mercado de crédito, coisa que independe de maioria no Congresso, veremos uma queda brusca no nível de desemprego, podendo refrear as expectativas de redução das taxas de juros para junho de 2023, podendo até reverter essa tendência levando o BACEN (Banco Central do Brasil) a voltar a subir novamente a SELIC (taxa básica de juros).

– Quais os maiores desafios do governo (seja de Bolsonaro ou de Lula) para o próximo ano em relação à economia?

Sem dúvida é imperioso que um novo arcabouço fiscal seja adotado por qualquer governo de forma a mostrar alguma retidão fiscal nos próximos anos. Se o teto de gastos merece uma reforma, que se desenhe outro ou adote novas métricas de controle como superávits primários ou banda de flutuação da relação dívida/PIB. O que não se pode fazer é adotar um teto de gastos e excluir despesas com educação, saúde e investimentos. Isso seria novamente profanar o teto de gastos, o que levaria a curva de juros inclinar dado um maior risco fiscal observado.

– EUA e Europa demoraram para iniciar o aperto monetário para conter a inflação? Como o Sr. avalia a condução da política monetária por lá?

Os EUA vivem uma conjunção de choques inflacionários, tanto de demanda, com nível de desemprego de 3.5%, quanto de oferta, produto do aumento do preço dos alimentos e energia. Já a Europa apresenta um cenário mais desafiador, pois além de não apresentar uma economia aquecida, a inflação entre os membros da zona do Euro varia de 6% a 20% (países bálticos), o que complica ainda mais a postura da Christine Lagarde em termos de política monetária, posto que uma única taxa de juros não atende a todos, pois não se trata de uma área monetária ótima.

– A estratégia de covid zero na China vem provocando uma desaceleração na economia do país. Como o Sr. enxerga a situação econômica atual na China e o que pode acontecer daqui pra frente?

O provável terceiro mandato do atual secretário geral do partido, Xi Jinping, possivelmente dará mais poder autocrático ao atual líder no controle dos lockdowns e mais assertividade em sua política externa em relação à Taiwan, Hong Kong, Xinjiang, fronteira Sino-Indiana e no mar da China. Xi Jinping fará seu terceiro mandato com mais intervenção estatal e interferência nas empresas privadas, o que pode prejudicar ainda mais o crescimento econômico do país, dada a maior ineficiência dessas empresas.

– Como é a relação econômica entre Brasil e China atualmente? O resultado das eleições pode influenciar no relacionamento entre os dois países?

Não acredito. Países não tem amigos, mas interesses. Tanto o atual governo, após algumas intempéries no início do mandato já percebeu isso.

Entre em contato com a redação Money Crunch: [email protected]

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