Introdução
A Islândia é conhecida por ser um país nórdico, com uma sociedade desenvolvida e tecnológica. A sua população é de 360mil habitantes e possui o 3º maior IDH do mundo – métrica usada para medir o desempenho social e econômico de um país. Apesar do seu desenvolvimento e beleza natural – destaque especial para o fenômeno da aurora boreal – a Islândia é um case de destaque por ter passado por uma crise ferrenha no sistema bancário no ano de 2008 (mais agressivo que os demais países) a ponto de o governo nacionalizar os 4 maiores bancos do país. Neste artigo você irá entender essa história singular.
Contexto
No outono de 2008 a Islândia passou por uma crise inesperada para um país desenvolvido. O cenário tinha como pano de fundo a crise do subprime que afetou todo o mundo – mas acredite, na Islândia foi pior.
No auge do boom, o PIB per capita estava entre os maiores do mundo e a lista de marcas/empresas globais do país era muito famosa. O total de ativos no sistema bancário era 10x maior que o PIB; a dívida corporativa era 308% do valor do PIB, sendo 70% em moeda estrangeira; o desemprego mal chegava a 1%.
A esta altura, o hábito dos cidadãos havia mudado. Não havia mais incentivo à poupança, afinal a prosperidade reinava e a inflação corroía o poder de compra da moeda; o registro de novos carros só batia recorde; o consumo de champagne aumentou 82%; a nova geração comprava tudo o que seus pais não podiam e viajavam 2x mais; o setor financeiro se tornou o mais relevante, o sonho dos mais jovens era ser tornar banker; as faculdades atualizaram os cursos e a grade curricular para receber os novos estudantes do mercado financeiro – em 2006 o salário de um estudante de graduação recém iniciado no mercado era de 10 mil libras/ano. Se endividar era normal, especialmente em moeda estrangeira como foi a maioria dos financiamentos de veículos.
Entretanto, no estouro da bolha o mercado acionário caiu 90%; a moeda (coroa islandesa) colapsou, desvalorizando até 80% frente ao euro; os principais bancos foram estatizados; a inflação chegou a 18%; e o PIB encolheu 11% em 2 anos. Vamos entender o que antecedeu esse cenário.
Golden Rule
O balanço patrimonial de um banco é diferente de outras empresas. De um lado temos o Passivo que são os depósitos e aplicações feitas pelos correntistas e investidores, ou seja, o dinheiro que foi emprestado para o banco e em algum momento poderá ser devolvido. Já no Ativo o banco registra os empréstimos realizados, portanto o dinheiro que ele emprestou através de empréstimos e financiamentos.
No passado acreditava-se em uma Regra de Ouro onde a duration (prazo médio) dos ativos de um banco deveria ser igual a duration dos seus passivos. E como veremos, a quebra desta regra, com um enorme descasamento entre o prazo dos ativos e passivos (maturity mismatching) foi um componente fundamental na crise de 2008/2009.
O gráfico abaixo mostra a diferença entre o Passivo e o Ativo dos 3 maiores bancos do país para diferentes prazos. Perceba como o volume de passivo é imensamente maior que o volume de ativos em até 3 meses. Esse foi o resultado do lucrativo negócio de levantar funding de curto prazo e investir em ativos de longo prazo, prática feita pelos bancos e levada ao extremo na Islândia.
Essa dinâmica, apesar de perigosa, funcionou muito bem enquanto os bancos conseguiam fazer a rolagem de seus passivos de curto prazo. No entanto, foi quando houve um aumento das incertezas e o fim da liquidez em excesso que o revés foi sentido.
Se não bastasse o descasamento de prazos, os bancos islandeses começaram um intenso processo de endividamento em outras moedas enquanto investiam em ativos domésticos (currency mismatching), prática denominada carry trade. A figura abaixo retrata a diferença entre os juros do CBI versus o FED, BCE e BOJ.
A estabilidade do câmbio e a garantia implícita do FMI em prover assistência diante de circunstâncias extremas – especialmente para um país interconectado globalmente – levaram os agentes econômicos a subestimarem o risco de cambio. Os bancos acreditavam que os contratos de swap seriam suficientes para protegê-los do risco cambial, mas não consideraram o descasamento de maturity em suas análises, o que tornava os swaps falhos como instrumento de segurança.
De quem foi a culpa?
Antes de afirmar que os bancos e o cidadãos da Islândia foram imprudentes, é importante entender os incentivos do governo que regulam o comportamento dos bancos e o crédito, consequentemente.
O Central Bank of Iceland (CBI) garantiu explicitamente que socorreria qualquer banco em dificuldade. Diferentemente dos demais Bancos Centrais que tem essa política de forma implícita, o ato de prover esse comprometimento público gerou uma maior disposição ao risco. Além disso, o CBI não era independente e sempre foi uma manifestação de poder político, fato visto na quantidade de diretores apontados pelo governo da época, 2 de 3 posições.
Em 2003, o depósito compulsório (reserve requirement) do depósito de instituições foi reduzido de 4% para 2%, elevando o multiplicador bancário de 8x para 15x. Para passivos com mais de 2 anos de vencimento, nenhuma provisão em reservas era exigida. Neste mesmo ano o CBI deu início a um período de afrouxamento monetário com o corte das taxas de juros, seguindo o movimento feito pelo FED, Banco Central Europeu, Banco do Canada e o Banco da Inglaterra. A redução dos juros aliada a redução do depósito compulsório gerou uma expansão de crédito na Islândia superior aos demais países.
O setor de construção, por ser intensivo em capital e sensível as taxas de juros, foi fortemente influenciado pelo contexto econômico. A Islândia criou a Housing Financing Fund (HFF) similar a Freddie Mac e Fannie Mae, mas com uma diferença significativa: a instituição tinha relacionamento direto com o cliente final. Com a garantia do governo sobre as suas dívidas, a HFF controlava diretamente o mercado hipotecário, influenciando o volume de empréstimos e as taxas. Esse panorama provocou competição entre a HFF e os bancos privados, o que incentivou os bancos a oferecerem condições cada vez melhores, com menores taxas e maior LTV. Outra característica singular é a seriedade com que a igualdade é tratada na Islândia. Neste caso, diferente dos demais países, as condições especiais de hipoteca eram concedidas a todos, e não só aos mais pobres. Em 2004, 90% das famílias possuíam um empréstimo da HFF, que detinha 50% do mercado total. Parte dessas hipotecas foram financiadas em Yen ou Franco Suíco.
A imagem retrata o preço dos imóveis no país:
Conclusão
Com tantas fragilidade e riscos incorridos, foi questão de tempo para a festa acabar. A falência do Lehman Brothers em 2008 colocou em xeque a garantia implícita de bailout esperada pelo mercado. A crise desapareceu com o funding de curto prazo e a confiança no sistema bancário se abalou.
O CBI não obteve ajuda dos países mais próximos como EUA e Inglaterra. Devido ao elevado endividamento em moeda estrangeira e o colapso da Coroa Islandesa que provocou um vazamento no sistema financeiro, o Banco Central não foi capaz de intervir aumentando a oferta monetária para salvar os bancos privados e no final eles foram considerados “too big to save”. O governo precisou fazer acordos com outros países para evitar que bens importados de extrema necessidade não faltassem, visto que a Islândia quase só produz peixe e carne e, durante todo o boom econômico, teve sua indústria financeiro se multiplicando enquanto a indústria produtiva encolhia.
Como a história mostra, a expansão do crédito através de incentivos perversos sempre termina com o expurgo dos excessos e o ingrediente especial no caso islandês foi a importação da expansão de crédito internacional levada ao extremo.
Curiosidade: atualmente, “2007” é sinônimo de excesso e é usado na linguagem cultura como adjetivo para descrever alguém comprando um carro caro ou dando uma festa luxuosa demais.
* Esse artigo foi baseado no livro Deep Freeze: Iceland’s Economic Collapse, de Philipp Bagus e David Howden.