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China possui entidade para controle de capitais; entenda como funciona a SAFE

Diego Lazzaris
Maria Antônia Anacleto

O Brasil vem estreitando relações com a China e a visita do presidente Lula, na última semana, terminou com uma série de acordos comerciais entre os dois países.

O foco das relações exteriores com o gigante asiático trouxe atenção para um tema importante: a China ainda é conhecida pelo intervencionismo do governo em diversas áreas da sociedade e também na economia.

Um exemplo disso é a atuação da SAFE (State Administration of Foreign Exchange, ou administração estatal de câmbio, em tradução livre), órgão que existe desde 1979 e tem como principal objetivo supervisionar o controle de capitais no país.

Em entrevista ao Money Crunch, Alexandre Coelho, pesquisador sênior na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e na Think Tank “Observa China”, explica que uma das atribuições da entidade é fiscalizar e punir as instituições financeiras e pessoas físicas que não cumprirem as regras definidas pelo Banco do Povo, o Banco Central da China.

Coelho, que já foi Diretor Jurídico do Bank of China no Brasil, afirma que a SAFE também é responsável por supervisionar a liquidação das operações de câmbio, com base em regras emitidas pelo BC chinês, além de fazer a supervisão da aplicação de regras de política monetária do país.

Para as empresas e a população em geral, as regras estipuladas pela SAFE são rígidas e o governo impõe diversas limitações. “É um sistema de controle de capitais. Para as pessoas mais ricas, tirar dinheiro da China é sempre uma questão complicada”, afirma Rodrigo Zeidan, professor da NYU Shanghai e da Fundação Dom Cabral, ao Money Crunch.

O governo estabelece um limite de compra de dólares anual de US$ 50 mil por pessoa. “Não é diferente de nenhum outro país com controle de capitais. É como o Brasil na década de 1980, quando havia limite para comprar dólares até mesmo para viagens internacionais”, afirma Zeidan.

Este limite é aplicado por meio de regulamentos rígidos sobre as transações de câmbio, e o governo chinês exige uma série de documentos para provar a legitimidade das transações.

Devido a esse controle rigoroso, alguns cidadãos e empresas adotaram aquilo que ficou conhecido como “ants moving” – ou movimento de formigas, recorrendo a bancos clandestinos para enviar dinheiro para o exterior, geralmente via Hong Kong.

 Em 2015, a SAFE anunciou publicamente planos para reprimir os bancos clandestinos e juntou-se a outros quatro departamentos e ministérios para lançar uma operação especial. Em 2017, o governo afirmou ter descoberto um esquema de transferências consideradas ilegais que somava mais de US$ 3,5 bilhões.

Chineses podem investir no exterior?

De acordo com o pesquisador da FGV, os cidadãos chineses podem investir no exterior, mas são impostas restrições e controles para evitar saídas de capital e manter a estabilidade do sistema financeiro do país.

 “Os investidores chineses são obrigados a cumprir os regulamentos cambiais ao investir no exterior, e os investimentos acima de um determinado tamanho podem exigir a aprovação do governo”, diz.

Segundo ele, esses controles ficaram mais rígidos nos últimos anos, em resposta a preocupações sobre saídas de capital e riscos financeiros.

“Embora os cidadãos chineses possam fazer investimentos internacionais, essas restrições visam garantir que as operações no exterior atendam aos interesses estratégicos do país”, afirma.

Chineses podem usar dólar em território nacional?

Em geral, o uso de moeda estrangeira não é permitido para operações dentro do território chinês, como compra de bens ou mercadorias. “O yuan é a única moeda aceita para a maioria das transações”, afirma Coelho.

No entanto, ele afirma que em certas circunstâncias e zonas comerciais estabelecidas pelo governo, como na compra de mercadorias importadas, alguns pagamentos em moeda estrangeira podem ser permitidos com as aprovações apropriadas das autoridades. “Isso acontece na região de Shenzhen, por exemplo”, diz.

Empresas estrangeiras seguem regras rígidas

As empresas estrangeiras que investem na China também devem seguir regras e regulamentos rígidos em relação à troca de moedas estrangeiras pelo yuan.

“Isso ocorre porque o governo chinês deseja manter uma taxa de câmbio estável para o yuan, que pode ser influenciada por grandes entradas ou saídas de moeda estrangeira”, explica Coelho.

De acordo com o pesquisador da FGV, como resultado, as empresas estrangeiras enfrentam desafios ao investir na China, como restrições na quantidade de moeda que pode ser trocada, atrasos no processamento de transações e limites na repatriação de lucros para fora do país.

“Essas restrições podem criar custos e complexidades adicionais para os investidores estrangeiros. Em razão disso, o governo chinês tem gradualmente afrouxado seus controles cambiais nos últimos anos para encorajar mais investimentos estrangeiros no país”, explica.

Por que a SAFE faz esse controle?

A rigidez nas regras impostas pela SAFE tem como objetivo controlar o fluxo de capital que entra e sai do país. Segundo Coelho, dessa forma, o governo consegue desvalorizar o yuan sempre que quiser sem afetar negativamente a economia doméstica ou causar danos na entrada ou saída de capital.

“A desvalorização da moeda chinesa serve para manter as exportações da China competitivas em relação às outras economias. Enquanto a cotação do dólar flutua de acordo com os “humores” do mercado financeiro, o yuan se mantém controlado dentro uma “banda cambial” estabelecida pelo Banco do Povo ou o Banco Central Chinês”, explica o pesquisador da FGV.

O professor Rodrigo Zaidan, da NYU Shanghai, explica que quando o yuan atinge o “teto” estipulado para a banda, o governo começa a vender dólar. Quando a moeda bate no piso da banda, o governo atua comprando dólar. “Obviamente, o responsável pelo monitoramento disso tudo é a SAFE”, diz.

Resumo do controle de capitais pela SAFE

 Veja abaixo um resumo dos principais pontos listados pelo pesquisador Alexandre Coelho sobre as restrições impostas pela SAFE.

—  Controle de câmbio: indivíduos e empresas só podem comprar ou vender moedas estrangeiras em bancos e casas de câmbio designados. Normalmente são usados os bancos estatais, como o Banco da Agricultura da China. Isso é feito para garantir que o governo possa monitorar e controlar o fluxo de dinheiro dentro e fora do país.

— Limites de Investimento Externo: Indivíduos e empresas chinesas estão impedidos de investir mais do que uma certa quantia fora da China a cada ano. Esse limite varia de acordo com o tipo de investimento e a localização do investidor.


—  Restrições às transferências de capital: O governo tem o poder de restringir as transferências de capital para evitar saídas excessivas de capital. Isso significa que indivíduos e empresas podem não conseguir transferir dinheiro para fora da China sem a aprovação do governo.


—  Aprovação de Investimento Estrangeiro: Empresas estrangeiras que desejam investir na China devem receber aprovação do governo. O governo tem o poder de limitar a quantidade de investimento ou restringir certos tipos de investimento estrangeiro.


— Aplicação estrita das leis: O governo aplica rigorosamente as leis relacionadas a câmbio e investimento. Empresas e indivíduos que violarem essas leis podem enfrentar multas ou até acusações criminais. No geral, a política é projetada para ajudar o governo a manter o controle sobre a economia e evitar que grandes quantias de dinheiro saiam do país.

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