Em março de 2020, logo que as economias globais começaram a temer os impactos da pandemia de Covid-19, as autoridades monetárias de boa parte dos países passaram a anunciar medidas de estímulos econômicos.
No começo de maio do ano passado, menos de dois meses depois da Covid-19 ter sido classificada como uma “pandemia” pela Organização Mundial de Saúde (OMS), os programas de expansão dos bancos centrais já somavam mais de US$ 6 trilhões em estímulos.
No entanto, o que se viu nos meses seguintes foi um grande aumento da pressão inflacionária em diversos países, provocado justamente pela forte injeção de liquidez nas economias.
Esse fenômeno é estudado há décadas e foi explicado pelo economista Milton Friedman (1912-2006), vencedor do Prêmio Nobel de Economia e considerado uma das maiores autoridades de todos os tempos no assunto.
Em uma palestra realizada no final da década de 1970 na Universidade de San Diego, Friedman mostra a relação entre a emissão de moeda e o aumento da pressão inflacionária.
“Eu quero deixar claro de uma vez por todas o fato de que a inflação é um fenômeno monetário. Essa proposição já foi documentada muitas vezes. Nunca na história houve uma inflação que não tenha sido acompanhada por um aumento extremamente rápido na quantidade de moeda e vou mostrar dados que comprovam isso”, disse Friedman durante o evento.
Para ilustrar a sua afirmação, ele mostrou uma série de gráficos que relacionam a quantidade de moeda por unidade de produção com a inflação do país. Nos EUA, entre 1964 e 1976, as duas linhas no gráfico se movem praticamente juntas, sendo difícil distinguir uma da outra (como mostra a imagem abaixo). “Esta é uma série de 13 anos, mas se fosse um período de 100 anos a relação seria a mesma”, explicou o Nobel de Economia.
Em um outro gráfico, Friedman mostra a inflação na Alemanha. Lá, por mais que em determinado período a quantidade de dinheiro na economia do país tenha sido maior do que a inflação, rapidamente as duas linhas voltam a se aproximar.
“A quantidade de moeda por unidade de produção é um fator fundamental que determina os índices de preços, mas que não opera instantaneamente. Às vezes ocorrem atrasos de um ou dois anos, mas mais cedo ou mais tarde tudo voltará aos padrões”, explicou o economista.
Friedman destaca que não é verdadeiro o argumento de que países com sindicatos fortes têm tendência a registrar inflações mais elevadas, por conta das pressões desses órgãos pelos aumentos de salários. Ele cita o Japão, onde as atividades sindicais são quase inexistentes, mas houve aumento de inflação quando a quantidade de moeda na economia cresceu.
Ele ainda mostra o exemplo do Brasil, que na época vivia sob o regime militar e que não tinha grandes atividades sindicais por conta disso. (veja o gráfico abaixo)
“Isso sim é uma inflação de verdade [a do Brasil], não como essas que estávamos mostrando até agora. Ela não pode ser explicada pela ação dos sindicatos, mas sim pela mudança na oferta de moeda”, destacou.
Para assistir à palestra completa de Friedman, clique aqui.
A inflação recente no Brasil e nos EUA
O aumento atual oferta monetária vem crescendo de forma preocupante no Brasil e já é o maior em mais de uma década. Com isso, a inflação de preços aumentou significativamente nos últimos meses, como temos acompanhado desde o ano passado.
O IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado) acumula alta de 32,02% em 12 meses, de acordo com dados da FGV (Fundação Getulio Vargas). Apenas no mês de abril, a variação do indicador atingiu 1,51%.
Já o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial do país no varejo, acumula alta de 6,76% em 12 meses até abril, acima do teto da meta estipulado pelo governo.
Nos EUA, os preços também começaram a mostrar uma tendência de alta generalizada. Por lá, a inflação avançou 0,5% em março e ficou acima das expectativas dos analistas.
No acumulado de 12 meses, a inflação atingiu 2,3% e virou alvo de alertas do megainvestidor Warren Buffett e do economista Mohamed El-Erian.
Lembranças da hiperinflação brasileira
A recente pressão inflacionária trouxe lembranças nada agradáveis para os brasileiros que conviveram com a hiperinflação antes do Plano Real.
Isso porque o descontrole generalizado dos índices de preços assombrou o Brasil durantes décadas e até hoje é responsável por uma série de comportamentos presentes no subconsciente dos brasileiros, como a dificuldade de poupar e a necessidade de consumir imediatamente pelo receio de que os produtos fiquem mais caros.
Entre a década de 1970 e o início dos anos 1990, o país viveu a chamada hiperfinflação, que chegou a mais de 6.000% em um único ano.
Naquela época os preços mudavam diariamente e as pessoas precisavam correr para as lojas e supermercados antes que os produtos ficassem mais caros.
A inflação era tão alta que a moeda nacional acabou perdendo a sua característica de referência de valor e passou a ser rejeitada pela população. Era comum que imóveis e veículos, por exemplo, fossem anunciados em classificados com preço em dólar, uma moeda forte que não perdia valor de um dia para o outro.