Em 2021, a inflação no mundo todo já mostrava que seria um dos maiores desafios para os bancos centrais. Nos Estados Unidos, o cenário não era diferente e o CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês) já começava a subir com mais força.
Ainda assim, o Fed (Federal Reserve, o Banco Central do país) adotou durante muito tempo um discurso de que a inflação seria algo “transitório”, diminuindo a importância do que estava por vir. Até que no final daquele ano, finalmente, a autoridade monetária admitiu que havia um problema que precisaria ser resolvido com o aumento de juros.
A demora do Fed para admitir o que estava acontecendo levou a muitas críticas do mercado. Este ano, com a crise bancária que assola os Estados Unidos, o assunto voltou à tona.
João Luiz Braga, sócio-fundador da Encore Asset, criticou a postura do Fed na última quarta-feira (3), dia em que a autoridade monetária anunciou o aumento de juros em 0,25 ponto percentual nos EUA.
Isso porque Jerome Powell fez um discurso citando a crise bancária, dizendo o seguinte
“Houve três grandes bancos desde o início [da crise] que estavam no centro do estresse a partir do mês de março. Agora, todos foram resolvidos e todos os depositantes foram protegidos”.
No entanto, apesar de Powell “amenizar” a situação, apenas uma hora e meia depois, novas notícias sobre bancos com problemas vieram à tona.
“Powell falou isso às 16h. Às 17h30 saiu a notícia que mais um banco está indo bem mal, o PacWest, com as ações desabando 60%. Isso é péssimo para a credibilidade de um banco central como o Fed, em um momento em que a política monetária dos EUA demanda tanto cuidado. Arriscar a credibilidade nesta altura do campeonato é bem ruim”, afirmou Braga, em vídeo para apresentação dos resultados da sua gestora.
Atraso e permissibilidade no combate à inflação
Lucas Schwarz, analista da VG Research, afirma que houve atraso e “permissividade” no combate à inflação pelo Fed. “Já em 2020 o Federal Reserve tinha indicado que permitiria uma inflação levemente mais alta do que a meta para garantir uma recuperação completa do mercado de trabalho. Quando a inflação começou a ficar acima da meta de 2%, em 2021, o Federal Reserve e inúmeros oficiais começaram a argumentar que o efeito era “transitório” em razão do cenário de exceção provocado pela pandemia de Covid-19 e que, com o tempo, iria ceder”, afirmou o analista ao Money Crunch.
Schwarz aponta que mesmo com sinais de uma inflação mais persistente, o Federal Reserve continuou insistindo no caráter transitório.
“Os efeitos inflacionários do aumento expressivo no agregado monetário desde o início da pandemia (M2), da expansão do balanço do Federal Reserve como forma de injetar liquidez na economia e do aumento considerável no déficit não foram bem modelados pelo Federal Reserve, que simultaneamente depositou muita expectativa no forward guidance como ferramenta de política monetária. Ações são mais fortes do que palavras e a inflação só começou a ceder, de fato, quando as taxas de juros começaram a subir agressivamente”, pontua o analista.
Alexandre Yamamoto, analista da Levante Ideias e Investimentos, concorda que houve atraso no combate à inflação nos EUA. “O Fed foi muito cauteloso depois da invasão da Ucrânia, e demorou a tomar medidas efetivas. Quando começou, em meados do ano, já estava ‘atrás da curva’, pois a inflação já tinha saído do controle. A partir daí, a postura que o Fed adotou no segundo semestre do ano passado foi de combater a inflação “a qualquer custo”, a despeito do aumento do risco de recessão. Para mim, é, indiretamente, uma atribuição de culpa”, disse.
Já a atual manutenção dos juros em patamar alto nos EUA é defendida pelo analista Bruno Komura, da gestora de recursos Ouro Preto. “Não acho que o Fed esteja sendo leniente com a inflação agora. Para que a meta seja atingida em um prazo de dois a três anos, entendo que está correto manter os juros mais elevados”, afirma.
Crise dos bancos
Na crise dos bancos, os analistas enfatizam que há mais risco no sistema bancário do que o Fed gostaria de admitir. “E boa parte desse risco é responsabilidade do próprio Fed, tanto pela regulação frouxa quanto pela omissão em medidas efetivas quando os problemas começaram a aparecer. Quem disse isso foi o próprio vice-chairman do Fed, Michael Barr, em um relatório no final na semana passada”, destaca Yamamoto.
No entanto, ele pondera. “O Fed pode até ter um discurso que busca contemporizar a situação, mas não deixa de agir”, acredita o analista da Levante.
Lucas Schwarz, da VG, diz que a “negação” do Fed existe, mas é uma tentativa de evitar novas corridas bancárias. “Inquestionavelmente, existe um forte de risco de agravamento na crise bancária e possibilidade de contágio. Entretanto, como autoridade monetária, o Federal Reserve precisa evitar novas corridas bancárias a todo custo”, justifica o analista.
Na opinião de Thata Saeter, diretora de operações da Convex Research, a situação atual dos bancos norte-americanos já é mais delicada do que em 2008, mas a real gravidade ainda vem sendo pouco discutida.
“Com essa decisão [de subir os juros em 0,25 ponto percentual], o Fed (Federal Reserve, o Banco Central dos EUA) permanece com uma postura passiva, ignorando e dizendo que a situação ‘não é bem assim’. Mas já sabemos que o Fed já errou ‘a mão’ outras vezes e está agindo nesses últimos anos sempre em defasagem”, disse, em live realizada na última semana.