O número de famílias brasileiras com contas em atraso atingiu 30,3% em outubro, maior número desde 2016, segundo os dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).
O país enfrenta diversos problemas macroeconômicos, como a inflação elevada e o aumento do custo do dinheiro – devido à alta dos juros – o que contribui para o aumento do endividamento. Mas na visão de Jurandir Sell Macedo, professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutor em Finanças Comportamentais, esse cenário também pode ser explicado pela defasagem na educação financeira dos brasileiros.
“Nós vivemos quase 40 anos sobre um processo de inflação muito alta. Naquela época, comprar um carro era uma forma de se proteger, consumir era uma forma de se proteger de uma moeda que chegou a perder 80% do valor em um único mês. Então, tudo isso acabou gerando uma baixa educação financeira para os brasileiros. Ainda confundimos muito consumir com investir. É comum irmos em lojas e ouvirmos ‘você pode investir esse tanto’. Não, eu posso é gastar esse tanto.”, explicou o professor.
“Temos que ter muito respeito por essas pessoas”
Ao mesmo tempo, o especialista destaca que grande parte do endividamento é causado por motivos de “força maior”, como perda de emprego, aumento de gastos ou redução de renda.
“Temos que ter muito respeito por essas pessoas. Eventualmente o cara é uma pessoa controlada, mas vem um desemprego, uma doença, ou uma redução muito drástica da renda, e ele acaba caindo no endividamento”, disse Macedo.
Ele também pontuou que, na maior parte das vezes, quando os temas inadimplência e endividamento são abordados, o vínculo mental é feito com classes mais baixas. Mas, nem sempre essa é a realidade.
“A falta de dinheiro atinge desde as classes mais baixas até as classes mais altas. Se você olhar em condomínios extremamente luxuosos, você vai notar um grau elevado de pessoas que não pagam o condomínio”.
O erro cometidos por todos está sobre os gastos que o professor nomeia de “Bens Posicionais”, em detrimento dos “Bens Democráticos”.
Bens posicionais vs. Bens democráticos
Como o próprio nome já explicita, o bem tido como democrático é aquele utilizado de forma geral pela sociedade, que melhoram nossas vidas sem o intuito de ostentação. Jurandir utiliza o seguinte exemplo:
“Imagine que hoje a noite chegue em casa e coma uma macarronada com um bom molho de tomate. O gosto seria igual para mim e para todo mundo que comesse”
Já o bem posicional é aquele que decorre da ausência, sendo utilizado na maioria das vezes para “comunicar sucesso”. “Se todos os homens do mundo tivessem um relógio Rolex ele não teria o valor que possui”, explicou.
“Muita gente acaba consumindo esses bens que comunica que você é uma pessoa bem-sucedida. Acho que para as pessoas de alta renda, talvez esse seja o grande problema que leva as pessoas para o endividamento. Essa tentativa de comprar bens posicionais. Será que esse gasto faz sentido?”, questiona o professor.
Quais atitudes tomar para não atingir a inadimplência?
A principal atitude a se tomar, na visão de Jurandir Sell Macedo, é o controle do orçamento, que diferentemente do que a maior parte da população pensa, não fará com que se gaste menos, mas melhor.
“Uma das piores coisas para a pessoas quando pensam em controle do orçamento é ‘eu tenho que cortar tudo’. É aquela visão antiquada de finanças pessoais que é “cortar o cafezinho”, isso é horrível. Controlar o orçamento é para você tirar o desperdício da tua vida e sobrar mais para supérfluo.”, explicou o professor.
Inicialmente, pode ser algo tedioso e chato de se fazer, mas, quando criado o hábito, passa a ter uma influência altamente positiva sobre nossa situação financeira.
Dentro do controle do orçamento, o primeiro passo é saber qual a origem e destino do dinheiro. Isso não é feito por grande parte dos cidadãos, que “acabam se endividando, achando que podem gastar mais do ganham. Ninguém pode gastar mais do que ganha de forma constante e sistemática.”
Jurandir afirma que as pessoas costumam recorrer ao crédito para “esticar” o salário. “Mas isso só vai durar até o seu nome cair no SPC ou no Serasa”, alerta.
Jurandir ressaltou que o prazer não pode ficar de fora de nossas vidas, mas, deve ser consciente e considerar a exclusão de hábitos que gerem desperdício.
“O maior desperdício que existe é gastar para ter status, para parecer alguém que você não é. Essa busca por status social perpassa por toda a sociedade. A grande importância é poder fazer escolhas conscientes”, afirma.
O que fazer para sair do endividamento?
Caso a situação de endividamento exista, primeiramente, se deve buscar entender as causas. “Teve um motivo, como desemprego ou doença, ou foi por desorganização? Entendendo isso, para para pensar se existe disposição para mudar.”
Um dos erros daquele que se encontra endividado é transferir a responsabilidade para terceiros. “A primeira coisa que as pessoas fazem é jogar a culpa em outros, como o governo, o patrão, etc. Jogar a responsabilidade em terceiros pode até ser bom para o meu humor, mas não vai resolver o meu problema. Então preciso assumir esta culpa.”
O professor Jurandir recomendou a anotação de todas as dívidas existentes, principalmente as mais caras. “Tente renegociar, pagar as dívidas mais caras, sair da dívida do cartão de crédito, do cheque especial. Procure vender algum bem para pagar as contas, busque aumentar minha receita por algum tempo.”
Entre em contato com a redação Money Crunch: [email protected]